LGPD e terceirização de dados: como garantir conformidade e segurança
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) trouxe mudanças significativas para a forma como empresas brasileiras tratam as informações pessoais de clientes, colaboradores e parceiros. Com foco na transparência, segurança e respeito à privacidade, a legislação impacta diretamente os processos internos e as relações com terceiros — especialmente nos casos em que há terceirização do tratamento de dados. Neste cenário, compreender os conceitos fundamentais da LGPD e suas implicações nas relações contratuais é essencial para garantir conformidade legal e proteger a reputação da empresa.
Entendendo a LGPD e Seus Impactos na Terceirização
A LGPD estabelece diretrizes claras sobre como os dados pessoais devem ser coletados, armazenados, utilizados e compartilhados. Quando uma empresa terceiriza parte de suas operações, como o processamento de dados, ela continua responsável por garantir que os parceiros contratados também sigam as regras da lei.
O que é a LGPD e seus principais objetivos
Aprovada em 2018 e em vigor desde 2020, a LGPD tem como principais objetivos:
Proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade;
Estabelecer regras claras sobre o tratamento de dados pessoais;
Promover a segurança jurídica e fomentar o desenvolvimento econômico com base na confiança digital.
Definições: controlador, operador e encarregado (DPO)
Controlador: pessoa física ou jurídica que toma as decisões sobre o tratamento dos dados pessoais.
Operador: quem realiza o tratamento dos dados em nome do controlador, geralmente empresas terceirizadas.
Encarregado (DPO - Data Protection Officer): profissional responsável por orientar e fiscalizar o cumprimento da LGPD dentro da organização, além de atuar como canal de comunicação com os titulares dos dados e com a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados).
Responsabilidades compartilhadas entre empresas e terceiros
Mesmo ao delegar o tratamento de dados a terceiros, o controlador permanece responsável por garantir que o operador atue em conformidade com a LGPD. Isso significa que:
Deve haver contratos com cláusulas específicas sobre segurança e privacidade;
Os operadores precisam seguir diretrizes claras definidas pelo controlador;
Em caso de incidentes de segurança, ambas as partes podem ser responsabilizadas, dependendo da origem da falha.
Riscos da Terceirização de Dados Pessoais
A terceirização do tratamento de dados pode trazer vantagens operacionais e de eficiência, mas também acarreta riscos significativos caso não seja conduzida com rigor e responsabilidade.
A seguir, destacamos os principais riscos associados a esse modelo.
Falta de controle sobre o tratamento de dados por terceiros
Quando uma empresa transfere a responsabilidade pelo tratamento de dados a um parceiro externo, ela perde parte do controle direto sobre como essas informações são manuseadas. Isso inclui:
A forma como os dados são armazenados;
Quais medidas de segurança são adotadas pelo terceiro;
Quem tem acesso às informações;
Como é feito o descarte ou anonimização dos dados após o uso.
Sem mecanismos eficazes de monitoramento e auditoria, o risco de não conformidade com a LGPD aumenta consideravelmente.
Riscos de vazamentos e incidentes de segurança
Empresas terceirizadas podem não adotar os mesmos padrões de segurança da empresa contratante. Isso torna os dados mais vulneráveis a:
Ataques cibernéticos, como ransomware e phishing;
Acessos não autorizados, inclusive por colaboradores do próprio operador;
Erros operacionais, como envio indevido de dados a destinatários incorretos.
Esses incidentes podem resultar em exposição de informações sensíveis, trazendo consequências sérias.
Impactos legais e reputacionais para a empresa contratante
Independentemente de o incidente ter ocorrido no ambiente da empresa contratada, a responsabilidade legal também recai sobre o controlador — ou seja, a empresa que contratou o serviço. Os principais impactos incluem:
Multas e sanções administrativas aplicadas pela ANPD;
Ações judiciais movidas por titulares dos dados;
Prejuízos à imagem e à confiança do mercado, com possíveis perdas de clientes e parceiros.
Por isso, é fundamental que a terceirização do tratamento de dados seja acompanhada de boas práticas de governança, segurança da informação e compliance.
Estratégias para Garantir Conformidade na Terceirização
Para mitigar os riscos e garantir que a terceirização esteja em conformidade com a LGPD, é essencial adotar uma abordagem estratégica, preventiva e colaborativa com os parceiros externos. Veja abaixo as principais práticas recomendadas.
Mapeamento e avaliação de terceiros que tratam dados pessoais
Antes de contratar qualquer fornecedor que tenha acesso a dados pessoais, a empresa deve realizar um mapeamento completo de todos os terceiros envolvidos e avaliar:
Finalidade e tipo de dados tratados por cada fornecedor;
Capacidade técnica e maturidade em segurança da informação;
Histórico de conformidade com normas regulatórias;
Existência de certificações, como ISO 27001 ou outras relevantes para proteção de dados.
Esse processo é essencial para a tomada de decisão consciente e alinhada aos princípios da LGPD.
Estabelecimento de cláusulas contratuais específicas sobre proteção de dados
Os contratos com terceiros devem incluir cláusulas claras e detalhadas sobre:
Obrigações de confidencialidade e segurança da informação;
Responsabilidades em caso de incidentes ou vazamentos;
Direito de auditoria por parte da empresa contratante;
Prazos e formas de eliminação ou devolução dos dados ao término da relação contratual.
Essas cláusulas fortalecem o compromisso legal das partes com a LGPD e funcionam como instrumentos de proteção jurídica.
Implementação de processos de auditoria e monitoramento contínuo
A conformidade com a LGPD não é um evento pontual, mas um processo contínuo. Por isso, é fundamental:
Estabelecer auditorias periódicas nos processos dos fornecedores;
Monitorar o cumprimento das cláusulas contratuais e políticas de segurança;
Acompanhar indicadores de risco e desempenho (KPIs) relacionados à proteção de dados.
Essa prática demonstra diligência e permite corrigir falhas antes que causem danos.
Capacitação e treinamento de fornecedores sobre a LGPD
Nem todos os fornecedores têm conhecimento aprofundado sobre a LGPD. Por isso, é recomendável oferecer:
Treinamentos regulares sobre proteção de dados e boas práticas;
Guias operacionais com orientações práticas para o tratamento seguro de informações;
Sessões de integração e alinhamento sempre que novos contratos forem iniciados.
A capacitação ajuda a construir uma cultura de proteção de dados compartilhada, reduzindo riscos operacionais e aumentando a eficácia da parceria.
Boas Práticas de Segurança da Informação com Terceiros
Para garantir que o tratamento de dados pessoais por terceiros ocorra de forma segura e em conformidade com a LGPD, é essencial adotar boas práticas consolidadas de segurança da informação. Essas práticas devem ser exigidas contratualmente e verificadas regularmente para garantir a proteção dos dados ao longo de toda a cadeia de responsabilidade.
Adoção de medidas técnicas como criptografia e autenticação multifatorial
O uso de tecnologias adequadas é uma barreira fundamental contra o acesso indevido e vazamento de informações. Entre as medidas recomendadas, destacam-se:
Criptografia de dados em trânsito e em repouso, assegurando que as informações não possam ser acessadas por terceiros não autorizados, mesmo em caso de interceptação;
Autenticação multifatorial (MFA) para acesso a sistemas e plataformas que armazenam ou processam dados pessoais, dificultando o acesso indevido por parte de invasores ou usuários mal-intencionados;
Backups automatizados e seguros, com retenção protegida por políticas de acesso controlado.
Essas soluções reduzem consideravelmente o risco de incidentes de segurança.
Definição de políticas claras de acesso e uso de dados
É essencial que o terceiro contratado opere sob regras explícitas de acesso e uso das informações. Isso inclui:
Limitar o acesso aos dados apenas aos profissionais que realmente necessitam deles para cumprir suas funções (princípio do menor privilégio);
Registrar e auditar acessos aos sistemas com dados sensíveis, garantindo rastreabilidade;
Impedir o uso dos dados para fins não autorizados, como marketing ou compartilhamento com outras empresas.
Políticas bem definidas promovem o uso responsável dos dados e ajudam a responsabilizar eventuais infratores.
Estabelecimento de planos de resposta a incidentes envolvendo terceiros
Mesmo com medidas preventivas, incidentes podem ocorrer. Por isso, é essencial:
Ter um plano de resposta a incidentes que contemple ações imediatas, contenção, investigação e comunicação;
Incluir o terceiro no plano, com responsabilidades bem definidas em caso de falhas;
Estabelecer canais de comunicação diretos com os responsáveis técnicos do fornecedor para agilidade na resposta.
Além disso, é importante prever procedimentos de notificação à ANPD e aos titulares dos dados, conforme exigido pela LGPD em caso de incidentes relevantes.
Ferramentas e Tecnologias de Apoio à Conformidade
A tecnologia é uma grande aliada na jornada de adequação à LGPD, especialmente quando se trata de supervisionar terceiros e garantir a rastreabilidade das ações. O uso de ferramentas específicas facilita o controle, a automatização de processos e a prevenção de riscos relacionados ao tratamento de dados pessoais.
Utilização de softwares de gestão de privacidade e governança de dados
Softwares especializados ajudam as empresas a organizar e controlar o ciclo de vida dos dados pessoais com maior eficiência. As principais funcionalidades incluem:
Mapeamento de dados e registros de tratamento;
Gestão de consentimentos e solicitações de titulares;
Automatização de avaliações de impacto à proteção de dados (DPIA);
Monitoramento de contratos e riscos com terceiros.
Essas plataformas contribuem para uma gestão proativa da privacidade e permitem maior conformidade em ambientes complexos com múltiplos fornecedores.
Importância de certificações como ISO 27001 na escolha de fornecedores
A adoção de certificações internacionais é um forte indicativo de maturidade em segurança da informação. A ISO/IEC 27001, por exemplo, estabelece requisitos para sistemas de gestão de segurança da informação (SGSI) e demonstra que o fornecedor:
Segue processos estruturados para proteção de dados;
Avalia continuamente riscos e vulnerabilidades;
Está comprometido com políticas claras de governança.
Empresas com essa certificação tendem a oferecer maior confiança e previsibilidade na gestão de dados pessoais.
Monitoramento de compliance por meio de dashboards e relatórios
Ferramentas de Business Intelligence (BI) e painéis de compliance são essenciais para acompanhar o desempenho dos fornecedores em tempo real. Com elas, é possível:
Visualizar indicadores-chave (KPIs) relacionados à proteção de dados;
Identificar falhas rapidamente e tomar ações corretivas;
Gerar relatórios de auditoria para apresentação à diretoria ou autoridades reguladoras.
Esse acompanhamento contínuo permite decisões mais informadas e uma resposta ágil a qualquer não conformidade.
Cultura Organizacional e Conscientização
Mais do que processos e tecnologias, a conformidade com a LGPD exige um comprometimento coletivo. A criação de uma cultura organizacional voltada à proteção de dados é essencial para que boas práticas se consolidem e se mantenham ao longo do tempo.
Promoção de uma cultura de proteção de dados entre colaboradores e parceiros
A conformidade começa dentro da empresa e se estende para fora. Isso significa:
Capacitar regularmente os colaboradores sobre seus papéis na proteção de dados;
Integrar temas de privacidade aos processos internos, desde o onboarding até avaliações de desempenho;
Envolver fornecedores e parceiros estratégicos em ações de conscientização conjunta, alinhando expectativas e responsabilidades.
Quando todos compreendem a importância do cuidado com dados pessoais, o risco de falhas humanas e negligências é reduzido de forma significativa.
Comunicação transparente com stakeholders sobre práticas de privacidade
A confiança é construída com transparência. Por isso, a empresa deve:
Informar seus clientes, parceiros e sociedade sobre como os dados são tratados, com base na LGPD;
Disponibilizar políticas de privacidade claras e acessíveis;
Manter canais de atendimento abertos para esclarecimento de dúvidas e exercício dos direitos dos titulares.
Essa comunicação fortalece a imagem da empresa e demonstra comprometimento ético com a privacidade.
As Pessoas Também Perguntam
Quais são os principais riscos de terceirizar o tratamento de dados pessoais?
Os principais riscos incluem a falta de controle sobre o uso e segurança dos dados, possibilidade de vazamentos, acessos indevidos, e responsabilidade solidária em caso de incidentes, o que pode gerar sanções legais e danos reputacionais à empresa contratante.
Como a LGPD define as responsabilidades entre controlador e operador de dados?
A LGPD estabelece que o controlador é o responsável por tomar decisões sobre o tratamento de dados, enquanto o operador executa o tratamento seguindo as instruções do controlador. Ambos podem ser responsabilizados em caso de descumprimento da lei, especialmente se houver negligência ou ausência de garantias contratuais.
Quais cláusulas contratuais são essenciais para garantir a conformidade com a LGPD?
É essencial incluir cláusulas sobre: confidencialidade, medidas técnicas de segurança, responsabilidades em caso de incidente, direito de auditoria, eliminação de dados após o término da prestação de serviço e comprometimento com a LGPD e outras legislações aplicáveis.
Como realizar auditorias eficazes em fornecedores que tratam dados pessoais?
Auditorias eficazes exigem planejamento. A empresa deve:
Mapear os fluxos de dados tratados pelo fornecedor;
Solicitar evidências de políticas de segurança e conformidade;
Avaliar práticas de governança e acesso aos dados;
Verificar histórico de incidentes e respostas. O ideal é usar checklists baseados na LGPD e em normas como ISO 27001.
Quais tecnologias podem auxiliar na gestão de conformidade com a LGPD?
Ferramentas como softwares de governança de dados, plataformas de mapeamento de dados pessoais, sistemas de gestão de consentimento, dashboards de compliance e soluções com criptografia e autenticação multifator são essenciais para manter o controle e a segurança no tratamento de dados pessoais, inclusive com terceiros.
Conclusão
A terceirização de atividades que envolvem dados pessoais exige uma atenção redobrada das empresas. Garantir a conformidade com a LGPD nesse cenário passa por processos bem estruturados, contratos claros, ferramentas adequadas e, acima de tudo, uma cultura organizacional comprometida com a privacidade.
Ao adotar medidas técnicas e administrativas consistentes, promover treinamentos contínuos e estabelecer parcerias com fornecedores responsáveis, as empresas não apenas evitam riscos legais e reputacionais — como também constroem relações mais seguras e confiáveis com todos os seus públicos.
Cumprir a LGPD não é apenas uma exigência legal: é uma estratégia de confiança e competitividade no mercado digital.